Chega uma hora em que você se cansa de contar carneiros. O silêncio penetra por seu corpo mas o sono não vem. A luz está apagada, mas você percebe que não enxerga menos por causa disso, na verdade, enxerga mais do que deveria. As horas passam, coisas se mexem, se transformam e o mundo gira. Sei que é difícil crer no que os olhos não podem ver, mas nada é como parece ser.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Inverno sem Neve


Costumo sentir falta de coisas que não conheço, de coisas que nunca tive. Uma sensação de vazio que as coisas próximas não preenchem nunca. Algumas delas até que conseguem chegar bem próximo dos meus anseios, mas nunca substituem o desejo original. É uma coisa estranha, como se algo levasse a querer sempre estar além daquilo que nos cerca.

Sinto falta daquela presença branca, daquele brilho dos fins de tarde e daquilo que emperra as portas, pela manhã. Falta daquele movimento gelado e do ar condensado que sai dos pulmões em forma de fumaça quando ela está presente. Apesar de ser uma realidade distante, ela me aguça a pensar em dias felizes, dias em que meus amigos correm com seus casacos e sobretudo pelas ruas cinzentas, ásperas e molhadas, fazendo bolas de neve fofas e jogando uns nos outros enquanto na esquina, dois deles se empenham em criar um boneco de neve, quase pronto.

Quando a noite se aproxima e começa a escurecer, o vento castiga as janelas fechadas fazendo-as zumbir quando ele passa. Segundos depois ela cai, de início em pequenos flocos e um deles pousa na ponta do meu nariz, despertando desejos, sonhos, conquistas e muitas coisas que um dia serão apenas meras lembranças. A neve cai leve, despreocupada, muda de direção quando quer até atingir o chão, onde permanece.

Como se fizesse festa, ficando maior e caindo depressa, a neve nos faz um novo convite. Pede para que entremos em nossas casas aconchegantes, com pisos de madeira recém encerada, adentremos por nossas salas, onde a lenha crepitante alimenta o fogo na lareira e há uma poltrona só nossa nos esperando. Quase perfeito. Falta o chocolate quente que em um minuto fica pronto. A xícara fumegante espalha lufadas de vapor em nosso rosto e nos sentamos, olhando para a grande janela ao lado. Lá fora, branca e silenciosa, ela continua a cair, pedindo apenas que nunca nos esqueçamos dela, da neve tão antiga que mantém muitos segredos escondidos sob seu aspecto macio. Da neve que acompanha os humanos em tempos difíceis e que permanece viva para sempre, em suas memórias.

Para mim, só o que resta é imaginar como é tudo isso. A noção que tenho é baseada em fotos e descrições que li em livros. Em um clima tropical de altitude acho que é esperar demais que algo assim aconteça, mas, ela não está menos presente, menos real por causa disso. O inverno chegou, trazendo suas ondas frias e seus ares escuros, mas a neve, esta eu ainda não vi chegar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Fragmentos do Tempo


A vida de cada pessoa gira em torno de sua essência. Algo que passa por transformações, mudanças e lapidações, mas que, no fundo permanece inalterado. Há o fragmento de tempo em que sorrimos, dizemos "bom dia" até para o vento, sentimos vontade de correr e abraçar o mundo com nossos minúsculos braços, abarcar todas as realidades possíveis e viver todas as formas de vida que existem. Essa é nossa natureza dinâmica, livre, solta, leve e envolvente. É a alma que quer se desprender do corpo, a sombra que quer andar com seus próprios pés, e o cérebro que quer se desatar do coração. É a busca inerente do ser humano pela descoberta, pelo conhecimento, pelo desconhecido e misterioso.
Há também os fragmentos do tempo em que queremos estar sós. Isolados de tudo e de todos. A tristeza bate nas portas do coração e ele, em sua bondade, a acolhe. O mundo escurece e nada parece bonito como fora um dia. As coisas simples perdem a cor e o brilho. O sol não esquenta o suficiente e trememos de frio. Algumas coisas nos acuam, nos prendem, amarram e dizem "Você só sai daí quando eu mandar!" Pronto, é o tempo outra vez.
Mas há algo além que nos renova sempre. Uma capacidade mágica de recriar a vida e o ser. Nos fazer levantar das cinzas e brilhar de novo. Sacudir a poeira e sorrir. Enxugar as lágrimas e começar da estaca zero. Os buracos se fecham e ficam as marcas, mas, com o tempo, as cores voltam, as flores se abrem e o sol aquece novamente. Nada está perdido, pois o tempo, apesar de parecer longo quando sofremos e curto quando estamos felizes, é apenas o suficiente para construir cada ser humano tal qual ele deve ser, em forma e essência.