Chega uma hora em que você se cansa de contar carneiros. O silêncio penetra por seu corpo mas o sono não vem. A luz está apagada, mas você percebe que não enxerga menos por causa disso, na verdade, enxerga mais do que deveria. As horas passam, coisas se mexem, se transformam e o mundo gira. Sei que é difícil crer no que os olhos não podem ver, mas nada é como parece ser.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Você...



Fico feliz quando ouço a sua voz
Mas me sinto incompleto por você estar distante
É como se o dia insistisse em não terminar sem um sorriso teu
Sem nossas conversas jogadas fora meus sonhos não me deixam dormir em paz

Quero colocar você em um lugar seguro
Onde nada nem ninguém me tirem você e aquilo que você tem de melhor
Quero te guardar para sempre em versos e sentimentos
Onde o tempo, a distância e outras pessoas jamais apagarão

Queria correr e te abraçar pelo menos por um segundo
Sentir que você faz parte do meu mundo
E mesmo que eu não escute sua voz em uma canção
O lugar em que vou te guardar é no meu coração

E, se as vezes uma coisa ou outra nos magoar e nos fizer ficar distantes
Meus pensamentos sempre me guiarão de volta
Essa é a prova mais viva e palpitante
De que me importo e preciso de você.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Chorar é preciso


Eu preciso do choro.

Sei que ele está aqui, guardado em algum lugar. Latente. Como um vulcão que passa décadas adormecido e de repente resolve acordar.

Preciso aprender a entrar em erupção. Sentir o corpo se aquecendo enquanto ele se desperta do fundo da alma e sobe em direção aos olhos. Sentir a energia, o vibrar, o alívio de “colocar para fora”.

Espero ansioso pelo dia em que o choro chegue e carregue, como em uma enchente, os desprazeres da vida de até então. Que despeje no olho da rua tudo aquilo que não é bem vindo.

Tudo isso só para poder respirar ofegante, livre e me sentir vivo. Pois as lágrimas nem sempre significam tristeza. As vezes elas são a única chance que temos de abrir as portas emperradas para tentar ser feliz outra vez.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Viver


Possuo apenas uma ânsia, esta bem simples e pequena: Viver. Fazer de coisas simples aventuras intensas. Poder olhar para trás e sentir que deixei minha marca e não apenas passei e fui embora. Não quero viver de resquícios putrefeitos de arrependimento e muito menos me sentir culpado por aquilo que não tenho nada a ver, pelo contrário, quero sempre encontrar motivos, por menores que sejam, que me convençam de que tudo valeu a pena. Quero derrubar as paredes que limitam minhas idéias. Me livrar das amarras que me impedem de voar. Quero extinguir meu medo de tentar. Quero pensar que, quem de mim não gosta, é simplesmente porque não sabe enxergar o que tenho de melhor e que não há nada de errado comigo, afinal. E quer saber? Não me importo mais. Saiba me ganhar e você terá um grande amigo, talvez o melhor. Me despreze e fique tranquilo, não sou tão mesquinho a ponto de fazer o mesmo com você, mas tenho fé suficiente para acreditar que a vida cuidará do resto. Não espere que eu te ignore se você precisar de mim. Não cumpro promessas de esquecer pessoas assim, tão facilmente. Por amar exageradamente talvez seja bobo, mas a solidão, minha melhor amiga, me ensinou a enxergar além, além de um rostinho bonito ou de um aparente sorriso bondoso. Ela não quer me deixar, tão amigos que somos, e não quer me entregar tão fácil nas mãos de qualquer um também. Como podem ver, a solidão é amiga apenas de quem merece.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Perder-se também é caminho


Sobrevivo de realidades inventadas. No sono vivo de sonhos, mundo em que estou e não estou. O ser que adormece agora não é nem a sombra do que acordou pela manhã. Passaram-se pessoas, fatos, gestos, toques, palavras... servindo hora como faca afiada, hora como a mais eficiente essência de crescimento. Vagueio por entre esses momentos, cada qual diferente do anterior. Nada é constante. Livrei-me da escória do passado onde fazer tudo certo era prioridade. Descobri que deixei de viver e que na verdade nunca vivi, pois tudo passa, como as nuvens a favor da brisa ou de ventos mais fortes.

Talvez o caminho não tivesse sido esse, caso não houvesse também, me perdido. Talvez a realidade fosse pior (ou melhor quem sabe?) que essa constante metamorfose de agora, que seria metamorfose de qualquer jeito? Quem sou eu para definir o certo e o errado? O melhor e o pior? Apenas vivo. Ou sobrevivo, dos entalhes de outros sobreviventes que já estão lá adiante, onde minha vista não pode alcançar. Colho as frases em que me encaixo, os pensamentos com os quais concordo e me surpreendo por termos tanto em comum. Quem disse que verdades são sempre palavras bonitas? Não! Belas ou monstruosas, verdades são sempre verdades.

Se tudo é passageiro, porque velhos pensamentos insistem em voltar à tona? Porque o sofrimento insiste em deixar sua marca quando passa? Já passou, não? Eu não sou o mesmo, então qual a razão de permanecer carregando comigo feridas de um ser que não sou? Ou que fui em um passado distante? Quero o novo, o belo, o inesperado. As surpresas, os gritos de "Oh", os risos, os aplausos, a gratidão sincera, uma marca construtiva. Nada que tenha sido previsto me agrada.

Mentir pode ser um caminho que nos salve, por hora. Não quero enganar ninguém dizendo que existem bússolas, ou espelhos, ou algo que nos sirva de guia para chegar onde queremos. Escolher pode ser uma ilusão, pois, ou os caminhos do mundo são predeterminados ou tudo é mesmo muito dinâmico, e caso a escolha esteja errada a culpa é toda sua. E, no fim de tudo, nossa vida, nossas palavras, nossas atitudes e tudo o que é ligado a nós está desencontrado, separado,
perdido. E talvez a única forma de nos encontrarmos seja nos perdendo primeiro, pois, afinal de contas, perder-se também é caminho.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Inverno sem Neve


Costumo sentir falta de coisas que não conheço, de coisas que nunca tive. Uma sensação de vazio que as coisas próximas não preenchem nunca. Algumas delas até que conseguem chegar bem próximo dos meus anseios, mas nunca substituem o desejo original. É uma coisa estranha, como se algo levasse a querer sempre estar além daquilo que nos cerca.

Sinto falta daquela presença branca, daquele brilho dos fins de tarde e daquilo que emperra as portas, pela manhã. Falta daquele movimento gelado e do ar condensado que sai dos pulmões em forma de fumaça quando ela está presente. Apesar de ser uma realidade distante, ela me aguça a pensar em dias felizes, dias em que meus amigos correm com seus casacos e sobretudo pelas ruas cinzentas, ásperas e molhadas, fazendo bolas de neve fofas e jogando uns nos outros enquanto na esquina, dois deles se empenham em criar um boneco de neve, quase pronto.

Quando a noite se aproxima e começa a escurecer, o vento castiga as janelas fechadas fazendo-as zumbir quando ele passa. Segundos depois ela cai, de início em pequenos flocos e um deles pousa na ponta do meu nariz, despertando desejos, sonhos, conquistas e muitas coisas que um dia serão apenas meras lembranças. A neve cai leve, despreocupada, muda de direção quando quer até atingir o chão, onde permanece.

Como se fizesse festa, ficando maior e caindo depressa, a neve nos faz um novo convite. Pede para que entremos em nossas casas aconchegantes, com pisos de madeira recém encerada, adentremos por nossas salas, onde a lenha crepitante alimenta o fogo na lareira e há uma poltrona só nossa nos esperando. Quase perfeito. Falta o chocolate quente que em um minuto fica pronto. A xícara fumegante espalha lufadas de vapor em nosso rosto e nos sentamos, olhando para a grande janela ao lado. Lá fora, branca e silenciosa, ela continua a cair, pedindo apenas que nunca nos esqueçamos dela, da neve tão antiga que mantém muitos segredos escondidos sob seu aspecto macio. Da neve que acompanha os humanos em tempos difíceis e que permanece viva para sempre, em suas memórias.

Para mim, só o que resta é imaginar como é tudo isso. A noção que tenho é baseada em fotos e descrições que li em livros. Em um clima tropical de altitude acho que é esperar demais que algo assim aconteça, mas, ela não está menos presente, menos real por causa disso. O inverno chegou, trazendo suas ondas frias e seus ares escuros, mas a neve, esta eu ainda não vi chegar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Fragmentos do Tempo


A vida de cada pessoa gira em torno de sua essência. Algo que passa por transformações, mudanças e lapidações, mas que, no fundo permanece inalterado. Há o fragmento de tempo em que sorrimos, dizemos "bom dia" até para o vento, sentimos vontade de correr e abraçar o mundo com nossos minúsculos braços, abarcar todas as realidades possíveis e viver todas as formas de vida que existem. Essa é nossa natureza dinâmica, livre, solta, leve e envolvente. É a alma que quer se desprender do corpo, a sombra que quer andar com seus próprios pés, e o cérebro que quer se desatar do coração. É a busca inerente do ser humano pela descoberta, pelo conhecimento, pelo desconhecido e misterioso.
Há também os fragmentos do tempo em que queremos estar sós. Isolados de tudo e de todos. A tristeza bate nas portas do coração e ele, em sua bondade, a acolhe. O mundo escurece e nada parece bonito como fora um dia. As coisas simples perdem a cor e o brilho. O sol não esquenta o suficiente e trememos de frio. Algumas coisas nos acuam, nos prendem, amarram e dizem "Você só sai daí quando eu mandar!" Pronto, é o tempo outra vez.
Mas há algo além que nos renova sempre. Uma capacidade mágica de recriar a vida e o ser. Nos fazer levantar das cinzas e brilhar de novo. Sacudir a poeira e sorrir. Enxugar as lágrimas e começar da estaca zero. Os buracos se fecham e ficam as marcas, mas, com o tempo, as cores voltam, as flores se abrem e o sol aquece novamente. Nada está perdido, pois o tempo, apesar de parecer longo quando sofremos e curto quando estamos felizes, é apenas o suficiente para construir cada ser humano tal qual ele deve ser, em forma e essência.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Escrevi uma história sobre você


Imagine ter como defeito fatal o fato de se apegar muito facilmente às pessoas. Imagine também alguém que não sabe se valorizar antes dos demais. Imaginou? Bom, agora misture as duas coisas de forma que fique impossível descobrir onde começa uma e termina a outra. Pronto, agora você sabe como é o meu coração.
Ignorando estes fatos, algo em você me convenceu a dar uma nova chance a mim mesmo. Esse foi o erro, aliás, esse sempre é o erro. Não que eu esteja sendo pessimista com relação à sentimentos mas estes não fazem o mínimo esforço pra que eu pense o contrário a seu respeito. Não mesmo.
O coração tem dessas coisas, de se apaixonar sem antes conhecer. Pelo menos o meu tem. Agora não sei dizer se isso é bom ou ruim. O que importa é que já te sentia aqui dentro, onde agora coloco minha mão e sinto palpitar. Mas é um coração que palpita sozinho, descompassado, as vezes leva um choque quando pensa em você e dispara, mas logo logo se acalma.
Te conheci em um dos finais de semana da minha vida. São inúmeros, eu sei, mas nenhum tão especial como aquele.
Eu estava tomado por uma ansiedade avassaladora. Não parava de olhar para os lados e andar para lá e para cá à sua procura, à sua espera. Tinha a certeza de que, apesar de nunca te ter visto pessoalmente, meu coração sentiria quando você chegasse. Foi dito e feito.
Por um instante, eu parei. Olhei para trás e lá estava você, sorrindo. Aquele era o gesto que eu precisava para saber se estava realmente gostando de você. Com um pouco de timidez você chegou e me conquistou ainda mais, sempre com medo de olhar nos meus olhos, de falar comigo. Tudo aquilo foi lindo, perfeito.
Apesar de eu ser um tanto estranho, você não me deixou de lado. Não me abandonou como fazem os egoístas, pelo contrário, entendeu o meu jeito de ser, coisa que poucos entendem. Confesso que sentia ciúmes quando tinha que dividir sua atenção com os demais, mas você não me pertencia. Eu é quem tenho a mania de me entregar sem ganhar nada em troca.
Me senti deslocado no meio de tudo e de todos, mas até isso teve o seu lado positivo. Por alguns segundos você me deu abrigo em teus braços, senti teu calor e isso fez com que eu me sentisse a pessoa mais feliz do mundo por ter você ali comigo, mesmo que só por alguns instantes.
Como é de costume, minha felicidade durou pouco. Isso em parte é culpa minha, por não saber me adaptar ao teu jeito, não saber dançar conforme a sua música. Você não vê, mas enquanto você sorri e se diverte, eu choro por ter você tão perto mas, ao mesmo tempo tão longe de mim. Acabei adormecendo.
Ao abrir meus olhos e te ver tão perto, dormindo feito um anjo, tive vontade de te acordar e confessar tudo, palavra por palavra do que eu estava sentindo, mas não o fiz. Preferi ficar ali parado, olhando teu rosto, esperando que você acordasse e viesse confessar a mim algo que eu sei que nunca existiu dentro de você.
Eu estava sozinho com meus pensamentos quando você apareceu e sentou-se ao meu lado, me olhou com aquele sorriso que só você tem e começou a conversar comigo. Era fascinante ver seus detalhes assim, tão de perto, tentar entender cada traço, cada gesto, cada efeito que você causava em mim. Eu queria gravar a tua face em meus pensamentos para não esquecê-la mais. Nunca mais.
Você pediu uma de minhas mãos e eu lhe dei. Percebeu então que eu estava nervoso e eu tentei disfarçar, dizendo que aquilo era normal. Mas como pode ser normal alguém tremer dos pés à cabeça, como se uma corrente elétrica transpassasse por todo o corpo só pelo fato de alguém estar segurando a sua mão? Compreendi que não era o gesto em si que causava arrepios mas sim, a pessoa que o estava realizando.
Eu te abracei bem forte, como se não quisesse te perder nunca mais, e na verdade eu não queria mesmo. Te soltei devagar, ainda sentindo o teu calor e olhando teu corpo, tão próximo ao meu. Olhei bem no fundo dos teus olhos e você sorriu, foi aí que te beijei. Forte. Intensamente. Com sentimento. Deixei de lado os pensamentos de dúvida e me entreguei, de todo o coração.
Não é preciso dizer que por um momento me senti como se pertencesse à você, mas algo me dava um puxão e me mostrava o contrário, mas te juro que fingi não ver, que tentei me convencer de que estava enganado, mas seu coração já pertencia a outro e eu cheguei tarde demais.
Depois que me envolvi mais do que deveria, percebi meu erro. Eu estava apaixonado mas você não me queria da mesma forma. Me beijava sabendo que aquilo seria passageiro enquanto eu te beijava como se tudo fosse durar eternamente.
Te deixar foi realmente difícil. Ver você se distanciando fisicamente foi tão ruim quanto perceber que seu coração nunca esteve ligado ao meu da mesma forma. Não sei o que você carregou de mim contigo, mas juro que tentei te dar de presente o meu melhor. Tudo o que me resta agora é escrever histórias sobre você.

domingo, 17 de abril de 2011

O Avô Sorridente



Através da imensa janela de vidro no alto daquele edifício, eu contemplava, distraído, aquele rio largo, de águas pardas que corria até se perder de vista. Ao longe, uma ponte se projetava acima dele e por ela passavam vários carros e ônibus, vindos sabe-se lá de onde e indo pra onde só Deus sabe.
Me peguei vagando por pensamentos distantes, por lembranças desconhecidas e imaginadas, de um tempo no qual eu não vivi, de pessoas as quais não conheci, mas que estão diretamente ligadas a mim. O sol batia forte na janela e nas águas do Rio Itapemirim, tornando a vista turva e os pensamentos, pelo contrário, cada vez mais claros. Imaginei quantas vezes ele teria passado por ali? Quantas vezes o mesmo sol, quente e ofuscante, teria iluminado a lataria do ônibus amarelo que ele dirigiu por tantos anos? Quantas vezes ele teria cruzado aquela mesma ponte, parado e olhado em direção àquelas águas pardas? Por um breve instante, pensei ter visto seu rosto, conhecido apenas através das antigas fotografias guardadas por parentes e amigos, refletido naquelas águas correntes.
Fui despertado de meus devaneios por alguém que chegara próximo de mim de repente e começou a falar, como se advinhasse meus pensamentos, a respeito da mesma pessoa sobre a qual eu estivera pensando nos últimos minutos. Minha mãe também parou ao meu lado e ficou observando o rio por alguns instantes, até que falou:
"Eu me lembro de que, quando eu era pequena, certa vez eu cruzei aquela ponte dentro de um ônibus amarelo. Meu pai estava na cabine, lá na frente, conversando com o motorista que pelo jeito era conhecido dele. Aquela, acho eu, foi a primeira e única vez em que eu vi, sem imaginar, meu futuro sogro. Seu avô."
Eu continuei a observar a ponte sem dizer nada e ela se retirou. Meu avô morreu muito antes de meus pais sequer se conhecerem mas, acho que ele sempre esteve vivo dentro de mim, mesmo que eu não tenha nenhuma idéia de como ele tenha sido realmente. O que guardo de meu avô, são apenas relatos de pessoas que o conheceram, que conviveram com ele ou que simplesmente viajaram tendo-o como seu condutor naquelas viagens que, segundo as mesmas pessoas, ele fazia como nenhum outro motorista. Seu bom humor e suas piadas eram famosos entre os amigos. Me orgulho quando dizem que sou muito parecido com ele, que tenho as mesmas feições, as mesmas atitudes. Na verdade, nunca escutei ninguém falando mal a seu respeito. As vezes eu fico me imaginando correndo em sua direção para lhe dar alguma boa notícia enquanto ele abre seus braços e me abraça bem forte, desejando-me toda a sorte do mundo. Penso nele presente em meus aniversários, minha formatura, no natal e em todos os outros dias do ano. Apesar de nunca ter escutado a sua voz, ouço o som de seu riso ecoando distante nos lugares onde sei que ele esteve presente um dia. Ouço o som de seus passos enquanto ele anda pela sala com um papagaio no ombro.
Aquelas águas, vistas pela primeira vez depois de tantos anos após a sua morte ainda correm. Águas que a ele um dia pertenceram, que faziam e ainda fazem parte do seu lar. Olhando-as pela última vez antes de me virar e enxugar uma lágrima, tive a certeza de que, de alguma forma ele ainda está vivo e que apesar da inevitável passagem do tempo, o Rio Itampemirim guardará para sempre a memória de sua imagem refletida nele, a imagem de um avô sorridente.

domingo, 3 de abril de 2011

É Chegada a Hora


Cheguei correndo na sala de minha casa. Ainda ofegante, comecei a fechar todas as janelas e portas que encontrava. Minha mãe e meu irmão estavam sentados no sofá de linho azul e interromperam a conversa quando o aposento começou a mergulhar na escuridão:

_ O que é isso? O que está fazendo? -Perguntou minha mãe.
_ Ele -fechei a última janela com uma batida forte- está vindo.

Minha mãe e irmão trocaram olhares aflitos e começaram a correr por todos os lados, desesperados, preparando tudo para o momento certo. Eu estava imóvel, sem saber qual seria meu próximo passo. Pra falar a verdade, acho que nem adiantava pensar, pois acabaria dando errado, de qualquer forma.
Coloquei a mão no bolso e senti falta de minha espada. Ela tinha ficado para trás na última luta que tive com um monstro, em uma caverna. Quando soube que o maior perigo de todos se aproximava da cidade e, acima de tudo, de minha família, deixei tudo para trás, inclusive a espada e corri para casa.
Escutei passos vindos do andar de baixo. Abri a porta e já ia descer quando, ao pé da escada surgiu meu pai, acompanhado de meus amigos. Eles subiram apressados a escada e meu pai me abraçou, desejando boa sorte.
Nesse instante, uma luz vermelha passou por entre as frestas das janelas da sala. Todos ficamos paralisados por alguns segundos. A inconfundível sensação de desespero, comum para quem estivesse na presença daquele ser, passou por nós. Senti que, no fim, acabaria perdendo tudo, mas não deixaria de lutar por causa disso:
_ Não façam nenhum barulho enquanto ele estiver por perto. Pode ser a última coisa que farão na vida. -Disse eu a meus pais e a meu irmão.
Os três desceram, abraçados, para o andar de baixo. Minha mãe parou um instante, olhou para mim e, com lágrimas nos olhos, disse baixinho:
_Você vai conseguir, meu filho.
Eu assenti e eles sumiram de vista. Olhei para meus amigos, que já estavam com suas armas em posição e disse:
_Muito bem. É chegada a hora.
E com alguns movimentos estranhos de sua mão, minha amiga abriu a porta da frente. O ar quente da tarde roçou nossos rostos. A luz vermelha inundou o piso de entrada. O ser mais terrível de todos, antes de costas, virou-se com o barulho da porta e agora nos encarava. Seus olhos cintilaram de ódio.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Como ajudar você?


De uma hora para outra, lá estava eu. No terraço de uma casa que, de alguma forma, sabia que era minha. Me debrucei sobre o muro e me assustei quando percebi que estava à vários andares de altura e que bem lá embaixo a rua estava molhada de chuva. O céu estava nublado. Me virei para contemplar o terraço e, poucas vezes durante toda a minha vida, eu tinha visto lugar tão belo como aquele.
Havia vasos de plantas encostados junto aos muros que cercavam o terraço. Presas por ganchos de metal ao telhado haviam samambaias muito verdes, que arrastavam no chão, além de lustres de cristal que não estavam ali antes. No meio de tudo haviam várias mesas dispostas e arrumadas como que para uma grande festa, e no canto direito havia uma caixa d'água suspensa por dois muros, com um pouco de tralhas e bugigangas na frente, a única coisa que não combinava com a arrumação daquele belo recinto.
Fiquei pensando no que aconteceria ali naquele dia. Raramente recebíamos pessoas em casa, pois, embora não admitisse, minha mãe não gostava muito de visitas e muito menos de dar festas.
Resolvi descer para perguntar o que estava planejado para aquela noite, pois eu sentia o cheiro de comida sendo preparada na cozinha. Desci os degraus de metal e, quando passei pela porta da casa, algo me chamou a atenção. Voltei para trás e olhei novamente.
Sentado aos pés da escada de entrada da casa estava um garoto que aparentava ser mais ou menos da minha idade. Ele estava sem camisa, com a bermuda rasgada e suja, assim como o resto do corpo. O cabelo era um pouco grande e despenteado. Ele olhou para mim como se eu fosse sua última esperança, estendeu uma das mãos e murmurou, quase sem forças "Comida".
Desci correndo os degraus da entrada e o ajudei a levantar. Ele estava tão fraco que mal conseguia subir a escada. Com muito esforço, sentei-o em uma cadeira e fui buscar algo para que ele comesse.
Quando estava na cozinha, junto das empregadas, escutei ruídos vindos da frente de minha casa. Olhei pela janela e pude ver minha mãe entrando pelo portão. Se ela visse aquele garoto ali, certamente as coisas não ficariam muito boas para mim.
Corri apressado para a varanda e ajudei o menino a subir o lance de escadas que dava para o terraço. Não seria possível tirá-lo dali sem que minha mãe o visse. Quando terminamos de subir a escada, olhei a volta e o único lugar que poderia servir de esconderijo era o vão embaixo da caixa d'água. Coloquei o garoto sentado em uma cadeira de festa e arrastei, apressado, o monte de entulho que bloqueava a entrada do esconderijo. Segurei-o novamente e o levei até o local. Ele se sentou no chão e eu arrastei novamente os entulhos de volta ao lugar. Olhei por cima da bagunça e disse a ele "Aguente firme. Vou trazer algo para que você coma logo logo".
Não sei ao certo se ele assentiu ou se sua cabeça pendeu por estar tonto de fome. Eu estava muito preocupado com ele, com medo que que algo pior pudesse lhe acontecer. Desci correndo as escadas de metal e dei de cara com minha mãe entrando pela porta da frente. Ela parou, me olhou meio espantada e perguntou "Ei, o que foi? Porque está corrende feito um maluco?".
_ N-nada, mãe -disse eu- Eu só queria saber o que vai acontecer no terraço hoje. V-você vai dar uma festa?
Ela olhou meio desconfiada, como se soubesse que aquele não era nem de longe o real motivo:
_Sim, eu vou. E, a propósito, meus convidados já estão chegando. Venha me ajudar a levar o jantar lá pra cima!
_Mas, mãe...
_Sem queixas! -interrompeu-me ela com um olhar feroz- Não permitirei que nem mesmo você estrague as coisas no dia de hoje. Esse jantar é um jantar de negócios!
Abaixei a cabeça e segui, com muita raiva, em direção à cozinha. Minha mãe já era estressada por natureza, mas sempre ficava pior em dias de viagem ou jantares de negócios.
Apanhei a primeira bandeja empanturrada de bolinhos de goiabada. Aquela era minha chance de ajudar o garoto. Subi as escadas com pressa, quase derrubando tudo, e coloquei o prato sobre uma mesa. Peguei um punhado de bolinhos e, quando me dirigia para o esconderijo, minha mãe havia acabado de aparecer com uma bandeja cheia de scargots. Ela me olhou com raiva e gritou:
_O que você pensa que está fazendo? A comida é para os convidados! Suma da minha vista antes que eu te jogue escada abaixo!
Eu evitei passar muito perto dela enquanto descia as escadas. Se eu demorasse muito a fazer alguma coisa pelo menino, certamente ele morreria ou seria encontrado por algum convidado curioso.
Quando pensei que as coisas não poderiam ficar piores, foi aí que ficaram. A campainha tocou e minha mãe gritou para que eu atendesse. Ela só sabia gritar comigo.
Abri a porta e um casal elegante entrou, sem nem sequer me cumprimentar. Atrás deles vinham dois meninos gêmeos, que deveriam ser seus filhos. Os dois fizeram uma careta para mim assim que me viram. Retribuí o gesto.
Minha mãe desceu a escada e abriu um largo sorriso quando viu os visitantes. Aliás, ela só sorria para as pessoas de fora. Era como se um novo espírito tomasse conta dela sempre que ela não estava sozinha comigo. Duas pessoas em uma só.
_Ah, sim! Que honra recebê-los em minha casa, Sr e Sra Rossier! Sintam-se à vontade. Podem subir para o terraço e se acomodar em uma mesa. Já já começaremos a servir o jantar.
Se existia alguma chance de ajudar o menino quase morto de fome escondido em meu terraço, essa já havia escorrido por água abaixo.

domingo, 6 de março de 2011

O Visitante Indesejável


Há o que falar da morte? Existem palavras que descrevam o que sentimos quando ela nos faz uma pequena visita?
Particularmente, acho a morte um pouco mal-educada. Ela chega sem avisar, não se senta pra pedir um chá, rouba algo que amamos e vai embora, sem nem ao menos se despedir. Mas ela sempre deixa várias coisas que fazem com que nunca nos esqueçamos dela: Dor, choro, desespero, inconformidade e por aí vai, nos fazendo sentir como um nada diante dela, faltando pouco escrever na parede "a morte passou por aqui".
Na verdade, ela tem razão. A vida é um período em que a morte está de bom humor, pois no dia em que ela se cansa de você, que não vai mais com a sua cara, ela vem e te leva com ela. Ou talvez seja o contrário. Quem sabe a morte não seja apaixonada por nós, seres humanos, e por isso fique sempre à espreita, procurando uma brecha no espaço-tempo para poder atacar e nos levar para viver (ou morrer) em seu mundo? Talvez o maior sonho da morte seja ser viva, como nós ainda somos. E para um inimigo que não pode ser igual à nos, nada melhor que tentar fazer com que sejamos iguais a ele.
A morte é astuta. Cuida para que seus segredos jamais caiam nas mãos da humanidade, fazendo com que nunca seja possível vencê-la, pois ela sabe, não somos deuses mas somos capazes de pensar, coisa que ela abomina e por isso, raramente o faz. Ela simplesmente está no lugar certo, na hora certa para realizar seu serviço e nada além disso. Acho que talvez não a paguem tão bem para que ela dê ao menos um sorrisinho sarcástico. Talvez ela seja a própria materialização do sarcasmo, pois ela é autêntica, não depende de nossos sentimentos e por isso não hesita em perturbá-los.
Uma esperança para quem não gosta de pensar no dia em que a verá face a face é pensar que a morte não é o fim de tudo, mas sim, apenas o inicio de uma nova aventura, ainda mais interessante.