Chega uma hora em que você se cansa de contar carneiros. O silêncio penetra por seu corpo mas o sono não vem. A luz está apagada, mas você percebe que não enxerga menos por causa disso, na verdade, enxerga mais do que deveria. As horas passam, coisas se mexem, se transformam e o mundo gira. Sei que é difícil crer no que os olhos não podem ver, mas nada é como parece ser.

domingo, 17 de abril de 2011

O Avô Sorridente



Através da imensa janela de vidro no alto daquele edifício, eu contemplava, distraído, aquele rio largo, de águas pardas que corria até se perder de vista. Ao longe, uma ponte se projetava acima dele e por ela passavam vários carros e ônibus, vindos sabe-se lá de onde e indo pra onde só Deus sabe.
Me peguei vagando por pensamentos distantes, por lembranças desconhecidas e imaginadas, de um tempo no qual eu não vivi, de pessoas as quais não conheci, mas que estão diretamente ligadas a mim. O sol batia forte na janela e nas águas do Rio Itapemirim, tornando a vista turva e os pensamentos, pelo contrário, cada vez mais claros. Imaginei quantas vezes ele teria passado por ali? Quantas vezes o mesmo sol, quente e ofuscante, teria iluminado a lataria do ônibus amarelo que ele dirigiu por tantos anos? Quantas vezes ele teria cruzado aquela mesma ponte, parado e olhado em direção àquelas águas pardas? Por um breve instante, pensei ter visto seu rosto, conhecido apenas através das antigas fotografias guardadas por parentes e amigos, refletido naquelas águas correntes.
Fui despertado de meus devaneios por alguém que chegara próximo de mim de repente e começou a falar, como se advinhasse meus pensamentos, a respeito da mesma pessoa sobre a qual eu estivera pensando nos últimos minutos. Minha mãe também parou ao meu lado e ficou observando o rio por alguns instantes, até que falou:
"Eu me lembro de que, quando eu era pequena, certa vez eu cruzei aquela ponte dentro de um ônibus amarelo. Meu pai estava na cabine, lá na frente, conversando com o motorista que pelo jeito era conhecido dele. Aquela, acho eu, foi a primeira e única vez em que eu vi, sem imaginar, meu futuro sogro. Seu avô."
Eu continuei a observar a ponte sem dizer nada e ela se retirou. Meu avô morreu muito antes de meus pais sequer se conhecerem mas, acho que ele sempre esteve vivo dentro de mim, mesmo que eu não tenha nenhuma idéia de como ele tenha sido realmente. O que guardo de meu avô, são apenas relatos de pessoas que o conheceram, que conviveram com ele ou que simplesmente viajaram tendo-o como seu condutor naquelas viagens que, segundo as mesmas pessoas, ele fazia como nenhum outro motorista. Seu bom humor e suas piadas eram famosos entre os amigos. Me orgulho quando dizem que sou muito parecido com ele, que tenho as mesmas feições, as mesmas atitudes. Na verdade, nunca escutei ninguém falando mal a seu respeito. As vezes eu fico me imaginando correndo em sua direção para lhe dar alguma boa notícia enquanto ele abre seus braços e me abraça bem forte, desejando-me toda a sorte do mundo. Penso nele presente em meus aniversários, minha formatura, no natal e em todos os outros dias do ano. Apesar de nunca ter escutado a sua voz, ouço o som de seu riso ecoando distante nos lugares onde sei que ele esteve presente um dia. Ouço o som de seus passos enquanto ele anda pela sala com um papagaio no ombro.
Aquelas águas, vistas pela primeira vez depois de tantos anos após a sua morte ainda correm. Águas que a ele um dia pertenceram, que faziam e ainda fazem parte do seu lar. Olhando-as pela última vez antes de me virar e enxugar uma lágrima, tive a certeza de que, de alguma forma ele ainda está vivo e que apesar da inevitável passagem do tempo, o Rio Itampemirim guardará para sempre a memória de sua imagem refletida nele, a imagem de um avô sorridente.

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